Organização Cultural de Defesa da Cidadania - Entidade Apartidária

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Horário de verão e de loucura

Linha de transmissão de energia

Horário de Verão e de loucura
   
    Cacildo Marques - S. Paulo
  
    O prejuízo é grande demais.
    Se a ideia é estender o "horário de pico" por mais uma hora, o que se tem conseguido é transformar a curva suave do pico em platô, da mesma altura que a que seria a do pico. Em vez de alguns minutos ou segundos com sobrecarga máxima, tem-se uma hora ou mais com essa mesma sobrecarga. O sistema de distribuição pode explodir, se o governo insistir nessa estratégia.
    De onde vem a base para essas afirmações? De várias frentes.
    Copiado e adaptado do Horário de Inverno de alguns países do hemisfério norte, quando o horário de verão voltou, assim que se encerrou o regime militar, as lâmpadas usadas na iluminação das residências, das empresas e dos logradouros públicos eram de filamento, em sua maioria, um objeto que dissipava calor de um modo grosseiro, escandaloso até.
    Meu amigo José Zatz, um grande físico, declarou naqueles tempos que a adoção do horário de verão trazia uma economia de pelo menos 4%, um grande ganho. Uma hora excedente de claridade do sol, sem necessidade de acender as ampolas quentes, era o fator principal dessa economia.
    No século XXI as lâmpadas de filamento desapareceram quase que por completo do mercado e pouquíssimas residências ainda as utilizam. São as lâmpadas dicrólicas e as de led que ganharam as ruas.
    Os aparelhos que mais demandam volume de energia elétrica hoje são outros, a começar pelo ar condicionado, que não era usado em ambientes residenciais no século passado. Prover uma hora excedente em cada dia significa presentear a população com mais uma hora diária de disponibilidade de energia para uso em ar condicionado, em refrigeradores, em ventiladores, em recarga de celulares e tábletes, em TVs e em outras situações várias. De fato, mais uma hora de gasto exagerado de energia a cada dia.
    Como se pode constatar isso? Com os números. Eles estão disponíveis não apenas para enfeite, mas para servir de fonte primária de dados que permitam gerar informação consistente e esclarecedora.
    Quem olha uma tabela de números referentes a consumo de energia, como as da ANEEL, não vê nada de especial. Quem pega esses números e os processa, estabelecendo relações entre eles, passa a ver fatos assustadores.
    Como desconfiei que os números não estão sendo tratados de forma sensata? Ora, por causa das informações que os técnicos estão retirando deles e divulgando.
    Aquela economia agregada que José Zatz garantia existir no século passado, agora os técnicos dizem que ocorre "no horário de pico". Ora, com que base dizem isso? Comparando com quê? Significa essa informação que as regiões com adoção do horário de verão apresentam demanda 4% abaixo daquela apresentada pelas regiões sem horário de verão? Não parece. Pelo contrário, os números disponíveis, sobre consumo mensal ou anual, apontam para a situação contrária.
    Como é possível que as regiões com horário de verão gastem menos no horário de pico se na hora de fechar a conta no fim do mês o aumento de consumo tem sido muito maior nessas regiões que nas de horário normal?
    Alguém ainda pode argumentar que é possível, sim, mas a coisa toda soa estapafúrdia.
    E eu argumento que haveria, sim, uma economia brutal de energia nas regiões de maior demanda se, em vez de dar mais uma hora de luz solar em cada dia, o governo mantivesse o horário das regiões do sul e encetasse uma campanha vigorosa para que a população poupasse energia. Desligar os refrigeradores durante uma hora no suposto horário de pico em dias alternados; desligar por uma hora também os aparelhos de ar condicionado em alternância com o desligamento dos refrigeradores, também por uma hora; tomar banho com o chuveiro desligado em dias de muito calor. Estas são algumas das propostas que podem ser feitas.
Alternar os dias de desligamento dos refrigeradores é importante porque se toda a população desligar ao mesmo tempo, nos mesmos dias, a redução de gasto será tão grande nesse horário que pode ocasionar um colapso em todo o sistema assim que as máquinas forem religadas.
    Para confirmar minha suspeita, copiei alguns números da ANEEL.Comparando os meses de dezembro com setembro de 2013, um com horário de verão sobre outro sem o tal horário, vi que a relação de consumo, por região, eram as seguintes, em milhões de MWh (que arredondei para três ordens após a vírgula): 2,366/2,354 (CO); 5,001/4,797 (NE); 1,815/1,734 (NO); 1,375/1,325 (SE); 5,520/5,189 (SU), Essas relações significam aumentos percentuais respectivos de: 0,50; 4,25; 4,68; 3,79; 6,40. Nesse ano de 2013 vemos que a região com maior aumento de consumo foi o Sul, com 6,40%.
    Para 2014, fiz a comparação de novembro com setembro, porque os números de dezembro ainda não estavam disponíveis. O resultado é aterrador: 2,632/2,555 (CO); 5,308/45,113 (NE); 1,341/1,901 (NO); 14,409/13,324 (SE); 5,770/5,318 (SU), Essas relações significam aumentos percentuais respectivos de: 3,00; 3,82; -29,46; 8,15; 8,48. No ano de 2014 a região com maior aumento de consumo foi o Sul, com 8,48%, mas o Sudeste ficou bem próximo.
    Fica visível, com a redução de consumo na região Norte, que Estados sem horário de verão não são vilões no gasto de energia. O grande aumento ocorre nas regiões com esse horário.
    Separei os dados em NE+NO, regiões sem o horário, e CO+SE+SU, bloco das regiões com horário de verão. Fiz a média ponderada com a população dessas regiões e pude constatar que o aumento no primeiro caso foi de -3,57%, enquanto que nas regiões ao sul chegou ao índice de 7,66%.
    Vemos aí que, com essa política de horário de verão, o sistema de distribuição de energia elétrica ainda não explodiu por puro milagre!


    Cacildo Marques - FEV*2015

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