Resposta seguidores Facebook c/ mesmo assunto.
Minha
participação neste episódio foi mínima, ficando surpreso com tantas reações positivas
que a Sheyna, minha filha, fez questão de me mostrar na noite de ontem. Claro,
sem o convite da Joyce, estimulada pelo seu grupo, Tania, Thelma e Cia, não haveria
nada a contar.
Quando
a Joyce Néia me chamou, eu estava me auto questionando, procurando saber minha postura em relação a vinda dos
haitianos e sua acolhida no Brasil para trabalhar. Já tinha alguma ideia sobre
o assunto, preocupado particularmente sobre como pegaria este tipo de ajuda sabendo que milhões de brasileiros se acham excluídos na sua própria terra, buscando empregos decentes e duradouros.
Fiz questão de afirmar isto ao encontrar o grupo, como tive oportunidade de me
posicionar com os próprios Haitianos, que pareceram entender perfeitamente minha preocupação: o Brasil não pode ignorar os graves problemas de sua própria gente, já
que nossos políticos parecem ter abandonado sua missão de resgatar a dignidade
de viver neste imenso país e passaram a analisar as coisas a partir da
rentabilidade dos serviços mínimos essenciais, a preservação da dignidade cidadã, ela mesmo sacralizada por nossa Constituição 1988.
Por exemplo, na simples questão do transporte coletivo, eles não
parecem perceber que os usuários brasileiros têm direitos que lhe são negados
pelo Sistema de Transporte Urbano e que o problema de finanças é algo técnico, enquanto
o problema do transporte humano e decente é algo vital, elemento motor de toda
a base econômica e social.
Em
algum momento o cidadão deve prevalecer sobre o mestre-das-urnas!
Enfim,
conversando com os Haitianos pude perceber que acolheram em mim o tradutor voluntário
(alguns já pensavam que fosse empregador), aceitando a ideia de facilitar a comunicação entre
uns e outros.
Mais
uma vez na vida, surgia a vocação de servir de ponte entre lados opostos. O que
é o papel realizado pelo nosso Jornal Gazeta Cidadã, ponte em construção entre noticias e comunidades locais.
Funcionou perfeitamente para nosso pequeno
grupo, como funcionou quando a Thelma Queiroz teve a boa ideia de levar ali seu amigo repentista, Adão. “Quem é ele, o que quer?”, perguntaram automaticamente. Ao saber que ele os
estava brindando com seus talentos de “troubadour”, menestrel, ficaram contentes e
acolheram melhor ainda, pois estas palavras eles entendiam bem!
Fiquei mais
curioso ainda com a cultura deles!
Em
suma, o que tiro desta pequena aventura é o alto teor humano, que circulou e se
estabeleceu entre nós.
De repente, me ofereci para fazer todas as perguntas que
queriam ou precisavam fazer. Desencadeou a roda e a aproximação de mais gente. Isto
merece outra abordagem, em separado.
Mas o tradutor ali teve o papel de
permitir a expressão das angustias, facilitando o trabalho das voluntárias.
Aos
poucos o Gesner, meu interlocutor na foto divulgada no Facebook, se transformou
num porta-voz improvisado. Como explicou: ele não mora lá (no abrigo improvisado, na Igreja Missão da Paz), pois achou uma
pequena pensão, a preço exorbitante, que só pode continuar se
vier o emprego prometido, rapidamente. Aliás "Por que aumentam tanto os preços dos quartos quando descobrem que somos haitianos?!", perguntaram vários deles! Mas estava lá em solidariedade e não podia estar em
outro lugar.
Gesner, Toufic Kamel Attar (Jornal Gazeta Cidadã) e Tania Peral Mujica, do GT Haitianos em São Paulo, com os demais haitianos abrigados na Igreja Missão da Paz, localizada na Baixada do Glicério, centro da cidade de São Paulo.
Na cabeça deles, todos, uma mesma obstinação: trabalhar.
Estranharam o fato que nos metrôs as pessoas demonstravam medo deles, haitianos. Foi preciso explicar que este medo é uma componente de nossa
vida, e não hostilidade automática contra eles. Disseram para eles que os
brasileiros detestavam a África e já sentiam como algo negativo a enfrentar.
De diálogo em
diálogo, abordamos fatos históricos, de sua própria história. E aí surgiu uma
evidência nada visível à primeira vista: eles estão cientes e orgulhosos,
ainda, de ter sido a primeira republica negra a ter declarado sua independência! Cultivando este traço, como conscientes do pleno valor de
sua negritude, nada inferiores a outras raças. Mas sem saber ainda o que isto
significa no Brasil.
Eu fui ajudar minimamente. Aprendi além do que esperava.
Creio que no círculo imediato ao redor da gente começava a brotar uma confiança
mútua, ambos conscientes das limitações individuais. E fizeram circular entre
eles um pedido de respeito com nosso grupo, pois estávamos ali para ajudar.
E ainda me brindaram
com uma fala entre eles, em “creole”: não entendi nada!
Parecia uma destas
metralhadoras que dispara palavras!
No final brinquei com o Gesner,
dizendo-lhe: “para vocês, estarem aqui, na Missão de Paz, neste recinto, me
parece como entrar num porto buscando abrigo contra as tempestades e a fúria do
alto mar. Será que é assim?"
Todos responderam dando risada: “É isto mesmo!”
Ao ponto que só
saem de lá se aparecer a miragem que estão tanto procurando: o trabalho!
O curioso é que me pediram para voltar .... confiança
conquistada? Who knows? Espero que sim...
Ao mesmo tempo, fiquei curioso (o que é de minha natureza), para saber a resposta da França e das Guianas (as 3), diante deste desafio, que exige mais do que humanismo diante da calamidade, que leva um povo inteiro a buscar o exílio como solução para seus problemas de sobrevivência.
Se
acompanharem os outros assuntos em nosso Blog OCDC, Organização Cultural em Defesa da Cidadania, blog-ocdc.blogspot.com, poderão verificar como a preocupação com a conquista de plena cidadania é permanente.
Mas, o que vale esta sem liberdade e sem a reabertura do diálogo entre aqueles que
querem o Brasil uma nação inteira, independente e capaz de assegurar o
bem-estar a todos os seus, sem temer de acolher quem vem construir junto um
país melhor?
Saudações, Toufic (Téo)!