Organização Cultural de Defesa da Cidadania - Entidade Apartidária

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Expressões Novilinguisticas



EXPRESSÕES NOVILINGUISTICAS







Foi um escritor anticomunista, creio que anarquista, de quem não me lembro o nome, quem criou essa expressão: novilíngua. Acusava os comunistas de mudar o sentido das palavras: guerra queria dizer paz, e coisas assim.



É preciso notar que esse processo de enganação de fato ocorre, mas como arma do capitalismo.



Tantas palavras são assim desvirtuadas e usadas em discursos ideológicos capitalistas (pleonasmo?). Socialismo, liberdade, direitos humanos, democracia, são exemplos.



Democracia, para começar, é o que nós, comunistas, queremos. Não que esse seja um objetivo. Nosso objetivo é a qualidade de vida para os trabalhadores, para o povo, e estamos convictos de que esta só se consegue no socialismo. Para esclarecer a palavra gasta (até o presidente da FIESP está no Partido Socialista), é preciso dizer que nosso socialismo é o leninista, caracterizado por democracia mais planejamento (que é um sentido do centralismo democrático). Assim, a democracia é condição necessária, mas não suficiente. E é preciso mostrar que a democracia dos capitalistas é a ditadura do capital. A democracia burguesa, que dizem ser “representativa”, certamente não é representativa dos interesses das maiorias, dos trabalhadores, intelectuais, estudantes. Como vemos em todas as eleições, e cada vez mais, a representatividade é minada pelo poder econômico e pelo processo de deseducação política do povo na luta ideológica. Precisamos, enfim, recuperar a democracia como um conceito revolucionário, de conquista do poder popular. Dar ao conceito o caráter dinâmico, dialético. Adam Shaff, marxista polonês, dizia que “liberdade não existe: o que existe é libertação”. Essa visão dialética, dinâmica, de processo, se aplica também à democracia: o que se busca é o processo de democratização, vinculado ao crescimento da consciência e da participação popular. Na luta ideológica e na luta posicional. Aqui se insere nossa tese de que os comunistas precisam conquistar estações de rádio. Lênin dizia que sem um jornal não se faz revolução. Dizia isso por não haver, na época, estações de rádio. Popov não havia, ainda, inventado a antena. Está claro que nunca conquistaríamos “uma estação de rádio para os comunistas”, pois a classe dominante quer segurar suas rédeas. Mas se defendermos a ideia de que “cada partido tem que ter sua estação de rádio, para que a classe dominante possa falar em democracia”, teríamos mais chances na luta. Ou o risco é o de que a classe dominante deixe de falar em democracia e parta para o fascismo, que sempre é a saída quando se vê acuada. Mas ela perde a capacidade de enganação. Ela já vem perdendo essa capacidade com a internet, ainda que para cada verdade colocada na rede ela coloque cem mentiras, e os acessos fiquem enclausurados.



Outros exemplos de novilíngua são as consignas de “qualidade e produtividade”. É claro que os comunistas querem que os produtos fabricados pelos trabalhadores tenham qualidade, pois eles serão também consumidores. Mas a “qualidade” que interessa ao capitalista é apenas a de tornar vendável o produto, com toda a enganação do marketing e do design (palavras inglesas não por acaso). Na guerra e na publicidade, a primeira vítima é a verdade. E “produtividade”, para os comunistas, tem o sentido econômico e ecológico de evitar desperdícios. Para os capitalistas, produtividade é maior exploração do trabalhador, mesmo que implique mais desperdícios e ineficiências, como no processo de competição destrutiva entre empresas. Por isso me preocupa que documentos nossos, na área sindical, proclamem que somos contra a “qualidade e produtividade”, sem esclarecer que somos contra o conceito capitalista de tais termos, conceito vinculado à exploração e enganação.







Ernesto



Caracas – outubro 2010











OUTROS PROBLEMAS DE LINGUAGEM







Quero levantar aqui o problema de duas expressões comuns nos textos marxistas. É o problema das traduções de Marx criando um jargão, o “marxistês”. Um jargão é uma linguagem “só para iniciados”. É como em minha área de trabalho, a logística, em que encontro, entre outras barbaridades, esse terrível “modal de transporte”, em lugar de, simplesmente, “modo de transporte”. O problema é esse simplesmente: falar simplesmente é considerado pobre. Deve-se falar complicadamente para se destacar dos comuns mortais, aparentar uma espécie de superioridade.



A criação desse jargão, o “marxistês”, não tem nada a ver com essa pretensão de eruditismo, e muito menos com a criação de uma novilíngua destinada à enganação. É, apenas, um problema de tradução difícil.



As expressões de Marx que me intrigam referem-se a conceitos fundamentais: “valor” e “força de trabalho”. Em Marx, existe o “valor de uso”, o “valor de troca” e o “valor”. Em bom português, um substantivo sem qualificativo deve ter um sentido geral, que engloba os diversos sentidos particulares. Assim, “valor de uso” é um tipo de “valor”. “Valor-trabalho” é um tipo de “valor”. “Valor de troca” é um tipo de “valor”. Isso em bom português, mas não em “marxistês”. Nesse jargão, “valor” significa, especificamente, “valor-trabalho”. O conceito é corretíssimo e importantíssimo no marxismo. O valor de troca de uma mercadoria é determinado, tendencialmente, pela quantidade de trabalho envolvido em sua produção, o “valor-trabalho”, em condições tecnológicas médias de produção, socialmente normais, de trabalho abstrato (genérico). Não discuto aqui o conceito, um tanto complexo, mas a terminologia confusa da expressão “valor” com um dos significados específicos. Em alemão, o processo de formação de palavras é distinto do que ocorre em português. Seria bom que os tradutores levassem isso em consideração em proveito da clareza, que Marx merece.



A outra expressão, que já comentei em outros textos perdidos na rede, é a tal “força de trabalho”. Marx, com certeza, nunca falou em “força de trabalho”, pois, com certeza, não falava português. Ele falava em “arbeitskraft”, e “kraft” pode ser traduzido como “força”, mas pode ser, dependendo do caso, mais adequadamente traduzido como “capacidade”, ou “potência” (em inglês “power”, não “force”). Pode-se, por exemplo, falar em “kaufkraft”, que seria “capacidade de compra”, ou “poder de compra”, nunca “força de compra”. O uso corrente da tradução incorreta “força de trabalho” dá uma ideia falsa de que o trabalho está, necessariamente, ligado a uma força física. Pode estar ligado a uma força física, geralmente está, mas pode estar ligado a uma capacidade intelectual, inclusive do operário, que também é explorada, e muito, pelo capitalista.



Há outros problemas de entendimento das palavras. É comum lembrarem um texto inicial do Manifesto: a história é a história da luta de classes. Essa afirmação, assim descontextualizada, me parece estranha. Busquei o original na internet: “Die Geschichte aller bisherigen Gesellschaft ist die Geschichte von Klassenkämpfen”. O fato é que há na história muitas ocorrências importantes, como as grandes guerras, que são lutas dentro da mesma classe, entre facções da classe dominante, e não lutas de classes. Mas o que se deve entender é o conceito marxista de história das sociedades como “transformações das sociedades”. As guerras intra-burguesas, como pouco ou nada transformam (a não ser quando as classes dominadas se aproveitam do enfraquecimento dos dominadores beligerantes para se impor – como ocorreu na revolução russa e na Europa oriental na derrota do nazismo) não fazem parte da história, no sentido marxista. Aqui não é um problema de tradução, mas de entendimento.







Ernesto



São Paulo, dezembro 2010

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