Organização Cultural de Defesa da Cidadania - Entidade Apartidária

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Pitágoras inventou a matriz?



Foto de Lewis Carroll




Pitágoras inventou a matriz - diz o samba do crioulo doido educacional
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'' Em meados de novembro de 2011 este editor recebeu mensagem eletrônica de uma repórter da revista de educação da Editora Abril. Ela queria uma entrevista sobre tabuada, tema de uma palestra proferida na USP no mês de setembro e que chegou até ela através da internet.
'' Havia uma surpresa no episódio, uma vez que a linha da revista é claramente contrária aos propósitos de todos os que tratam a educação como coisa séria, não como espetáculo. Mas, enfim, foi dado um crédito de confiança e a entrevista foi feita, por telefone, em conversa que durou aproximadamente uma hora.
'' Como sempre, uma decisão prévia trazida pela repórter direcionou a entrevista. Tratava-se de duas informações, ou duas teses, que não poderiam ser justificadas, porque eram mentirosas. A primeira era a ideia de que havia uma tabuada matricial de Pitágoras e a segunda, que a tabuada de multiplicar deveria ser ensinada a partir da ideia de proporção.
'' Quanto à primeira 'tese', foi explicado à repórter que Pitágoras, como todo grego da época, usava letras para representar números e que uma ideia de tabela de multiplicação que ele usasse não seria algo aproveitável hoje. Para a segunda 'tese', ela foi informada de que a noção de proporção depende da ideia de razão, que por sua vez vem do conceito de fração. Usá-la para ensinar tabuada é algo tão prematuro quanto deslocado. Conhecer a tabuada e as operações de frações são pré-requisitos para a aquisição da noção de proporção. Fazer o contrário é como querer que a criança nasça antes de ser concebida.

'' Em lugar de sancionar as duas 'teses' sem sentido, este editor explicou como devem ser usadas as propriedades da multiplicação para que a criança aprenda a tabuada com menos esforço, de modo que o ato de decorar seja uma consequência do uso da tabela, mas de um modo que a criança saiba o que está fazendo. Desse modo, pode-se mostrar ao aluno como ele pode utilizar as propriedades comutativa, associativa, distributiva e do elemento neutro, sem necessidade de que ela conheça esses nomes.
'' Finalmente, a matéria saiu publicada no número de dezembro de 2011, como reportagem de capa. O título foi "Uma nova luz sobre a tabuada". As coisas estariam no seu leito normal não fossem duas situações lamentáveis: as 'teses' malucas foram confirmadas por pessoas desavisadas, uma delas do Estado de Rondônia, do modo como a repórter queria (não se sabe quem vendeu a ela gato por lebre), e explicações deste editor sobre uso das propriedades foram estampadas, até em balões ilustrativos, com o nome de quem deu a informação sendo sonegado ao leitor. Este segundo fato é coisa menor, ante a insistência em contar histórias mentirosas aos professores do ensino básico espalhados por todo o país.
'' Há, sim, o mito de uma tabuada usada por Pitágoras, mas qual seria essa tabela pitagórica? Ora, uma matriz, esquema que foi inventado 25 séculos depois da morte do Pai da Matemática! Como confirmar essa informação quando se tem um mínimo de conhecimento de história? Só mesmo Stanislaw Ponte Preta, ressuscitado, apresentando uma nova versão do Samba do Crioulo Doido.
'' O que foi mostrado como tabela de Pitágoras é nada mais que a tabela de dupla entrada, criada por Lewis Carrol, no século XIX, época em que a noção de matriz foi desenvolvida nos Estados Unidos por Benjamin Peirce, pai do extraordinário cientista-filósofo Charles Sanders Peirce, que traduziu em circuitos elétricos os conectivos lógicos da álgebra de Boole, propiciando a construção dos computadores binários em 1946 por John Von Neumann, passando, em 1937, pela dissertação de mestrado de Claude Shannon, que foi quem enxergou a utilidade daquela descoberta.
'' Como teria avançado a matemática e, por consequência, o mundo, se a ideia de matriz e de tabuada com algarismos tivesse sido utilizada já por Pitágoras! Matriz é uma ideia muito simples, mas a simplicidade para ser atingida custa séculos de pergaminhos, papéis, grafites e tintas. O que não tem data para começar nem para terminar é a confusão que se faz com a gênese e a evolução dos conceitos em sua história.

Cacildo Marques - editor da Gazeta Cidadã
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