Organização Cultural de Defesa da Cidadania - Entidade Apartidária

sábado, 14 de agosto de 2010

O Poder da Validação


O Poder da Validação


Todo mundo é inseguro, sem exceção. Os super-confiantes simplesmente disfarçam melhor. Não escapam pais, professores, chefes nem colegas de trabalho.

Afinal, ninguém é de ferro. Paulo Autran treme nas bases nos primeiros minutos de cada apresentação, mesmo que a peça que já tenha sido encenada 500 vezes. Só depois da primeira risada, da primeira reação do público, é que o ator se relaxa e parte tranqüilo para o resto do espetáculo. Eu, para ser absolutamente sincero, fico inseguro a cada novo artigo que escrevo, e corro desesperado para ver os primeiros e-mails que chegam.

Insegurança é o problema humano número 1. O mundo seria muito menos neurótico, louco e agitado se fôssemos todos um pouco menos inseguros. Trabalharíamos menos, curtiríamos mais a vida, levaríamos a vida mais na esportiva. Mas como reduzir esta insegurança?

Alguns acreditam que estudando mais, ganhando mais, trabalhando mais resolveriam o problema. Ledo engano, por uma simples razão: segurança não depende da gente, depende dos outros. Está totalmente fora do nosso controle. Por isso segurança nunca é conquistada definitivamente, ela é sempre temporária, efêmera.

Segurança depende de um processo que chamo de "validação", embora para os estatísticos o significado seja outro. Validação estatística significa certificar-se de que um dado ou informação é verdadeiro, mas eu uso esse termo para seres humanos. Validar alguém seria confirmar que essa pessoa existe, que ela é real, verdadeira, que ela tem valor.

Todos nós precisamos ser validados pelos outros, constantemente. Alguém tem de dizer que você é bonito ou bonita, por mais bonito ou bonita que você seja. O autoconhecimento, tão decantado por filósofos, não resolve o problema. Ninguém pode autovalidar-se, por definição.

Você sempre será um ninguém, a não ser que outros o validem como alguém. Validar o outro significa confirmá-lo, como dizer: "Você tem significado para mim". Validar é o que um namorado ou namorada faz quando lhe diz: "Gosto de você pelo que você é". Quem cunhou a frase "Por trás de um grande homem existe uma grande mulher" (e vice-versa) provavelmente estava pensando nesse poder de validação que só uma companheira amorosa e presente no dia-a-dia poderá dar.

Um simples olhar, um sorriso, um singelo elogio são suficientes para você validar todo mundo. Estamos tão preocupados com a nossa própria insegurança, que não temos tempo para sair validando os outros. Estamos tão preocupados em mostrar que somos o "máximo", que esquecemos de dizer aos nossos amigos, filhos e cônjuges que o "máximo" são eles. Puxamos o saco de quem não gostamos, esquecemos de validar aqueles que admiramos.

Por falta de validação, criamos um mundo consumista, onde se valoriza o ter e não o ser. Por falta de validação, criamos um mundo onde todos querem mostrar-se, ou dominar os outros em busca de poder.

Validação permite que pessoas sejam aceitas pelo que realmente são, e não pelo que gostaríamos que fossem. Mas, justamente graças à validação, elas começarão a acreditar em si mesmas e crescerão para ser o que queremos.

Se quisermos tornar o mundo menos inseguro e melhor, precisaremos treinar e exercitar uma nova competência: validar alguém todo dia. Um elogio certo, um sorriso, os parabéns na hora certa, uma salva de palmas, um beijo, um dedão para cima, um "valeu, cara, valeu".

Você já validou alguém hoje? Então comece já, por mais inseguro que você esteja.

Stephen Kanitz

Artigo publicado na Revista Veja, edição 1705, ano 34, nº 24, 20 de junho de 2001, pág.22

domingo, 8 de agosto de 2010

Pílulas-para-os-nervos

A medicalização do sofrimento humano

Marco Antonio Alves Brasil

Há uma concentração da nossa população em áreas
metropolitanas, particularmente nos Estados de São Paulo e

do Rio de Janeiro. Muitos deixaram o campo na esperança de
conquistar uma vida melhor na cidade grande, onde vivem
nas periferias e nos morros, sem perspectiva de trabalho,
condenadas ao desemprego ou ao subemprego, à educação
e assistência médica precárias.

O sofrimento é inerente à vida humana; contudo, quando se torna desnecessário? Em que momento vira expressão de doença ou transtorno e passa a ser merecedor de tratamento? Quando sentimentos como tristeza, remorso, vergonha e a desesperança deixam de ser legítimas manifestações humanas para se tornar transtornos devidamente catalogados em nossas classificações diagnosticas, assumindo assim a condição de "uma questão médica'?

Assiste-se atualmente a uma inflação da procura por médicos. A medicina é frequentemente utilizada para fins publicitários. O adjetivo "medicinal" traz a muitos produtos uma garantia de sucesso. As tensões, as dificuldades e a violência da vida social tornam-se facilmente "estresses" e "traumas", levando à "depressão". Há uma concentração da nossa população em áreas metropolitanas, particularmente nos estados de São Paulo e do Rio de janeiro. Muitos deixam o campo na esperança de conquistar uma vida melhor na cidade grande. Há, portanto, um enorme contingente de pessoas que vivem nas periferias c nos morros, sem perspectiva de trabalho, condenadas ao desemprego ou ao subemprego, à educação e assistência médica precárias.

Sem ter como satisfazer as necessidades básicas - principalmente a alimentação -, as pessoas de baixa renda recorrem constantemente a drogas tranquilizantes para vencer os dramas existenciais. As pílulas para os nervos ou para dormir são usadas frequentemente pelas pessoas de baixa renda, para superar o estresse provocado pelas poucas horas de sono, pela exploração do trabalho e pela alimentação não satisfatória, além da impossibilidade de ter controle sobre a vida. Essas pessoas assumem a condição de doentes e suprimem os gastos com a alimentação para comprar remédios contra cansaço, velhice, "sangue quente" ou fortificantes. Entre estes últimos, são muito consumidos os complexos vitamínicos, ministrados
muitas vezes por orientação de farmacêuticos ou por influência da propaganda. Geralmente, os pacientes recorrem a tais medicamentos sempre que sofrem uma "crise de nervos", quadro composto por queixas sintomáticas difusas, como tonturas, palpitações, "vista escura", desmaios, esquecimentos, insônias, medo de sair sozinho à rua, "perna bamba", "dormência nas pernas", cansaço, falta de apetite, "buraco no estômago", "tremores no corpo", fisgadas na cabeça, ardor e frio na cabeça, dores difusas, irritabilidade, crises de choro, vontade de bater nos filhos, vontade de gritar, vontade de morrer, agonia no peito, desinteresse sexual, moleza, entre outros.

Em pesquisa realizada pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), feita em 25 comunidades rurais da região serrana do Espírito Santo, verificou-se que quase um terço dos entrevistados sofriam dos chamados problemas dos nervos. Para minimizar os sintomas, 88% do grupo tomava continuamente um ou mais psicotrópicos adquiridos em farmácia, muitas vezes sem receita médica. Em 53% dos relatos, o "remédio de nervo" foi citado espontaneamente. Foram citados pêlos participantes da pesquisa 26 tranquilizantes; 11% dos entrevistados indicaram como sintoma de doença o fato de não conseguirem dormir e 12% apresentavam dor no corpo, fraqueza, cansaço, falta de forças, "zonzeira", "bambeira", vozes na cabeça, preocupação, dor de cabeça. Por conta desse cenário, 29,5% dos indivíduos já haviam sido internados.

Outros trabalhos de campo junto à população carente de diferentes regiões do Brasil apontam que por trás dessas "doenças" encontram-se a pobreza, a impossibilidade de participar produtivamente da sociedade, o não reconhecimento social, o desamparo, o desemprego, a fome e a perda da
esperança de vencer na vida.

É ilusório supor que a solução para todos os sofrimentos do homem estaria dentro do modelo médico. É inconcebível querer abordar ou resolver as questões decorrentes do sofrimento humano sem colocá-las em todos os níveis, dentro de seus contextos socioculturais. Não se trata de negar a importância das diferenças que constituem a personalidade de cada um, mas de ver que toda pessoa não pode ser completamente entendida, caso não seja levado em consideração o ambiente cultural e social onde vive, seus valores sociais e culturais, bem como o lugar que a sociedade concede ao indivíduo, ao valor que ela confere à liberdade e ao direito ao lazer.

As questões relacionadas à saúde mental passam por discussões centrais relacionadas à cultura de paz, à segurança, à proteção ao ambiente e aos direitos humanos. Não há progresso na saúde sem transformações sociais. Toda resposta aos problemas de saúde da população que for concebida unicamente em termos de assistência médica acaba ultrapassando as possibilidades econômicas do país e está fadada ao fracasso. Só haverá real progresso em saúde mental se esse avanço for acompanhado de justiça social, de condições de vida digna para nossa população, de iguais oportunidades de educação e trabalho, e de direitos e deveres iguais para todos.

Marco Antonio Alves Brasil; professor adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é chefe do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do Hospital Clementino Fraga Filho e ex-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria.

Publicado em Dialógico – Revista do Movimento do Ministério Público Democrático – Ano VII – no. 29 (www.mpd.org.br)

sábado, 7 de agosto de 2010

Fé nas utopias.



Por Paulo Viana


Eu sei que a complexidade do ser humano não pemite que tenhamos padrão ideal de comportamento e que o sonho da felicidade, da paz, do equilíbrio e de outras quimeras absolutas não passa de necessário buscar da utopia. Sei, também, que a vida é forjada no viver concreto, no se jogar no mundo, planejando, quando dá, ou ariscando quando podemos; Que a ética pura é quase impossível; Que as relações se consolidam no confronto de almas diferentes e na dinâmica de interesses muitas vezes não revelados.
A vida é, ainda, muito misteriosa e encanta a todos, porque surpreende, eleva, descontrói, maltrata, alegra, exalta e pune. Só a morte desencanta.
E se não fosse o sonho? E se não desejássemos encontrar um termo definitivo para a inquietude, insatisfação, incoerência, desvirtuamento, que pudesse engendrar espíritos plenos de virtudes, honestos em sua totalidade? Imaginemos um ser humano cem por cento honesto...é possível? Seria "normal"? Talvez não, mas precisamos querer que ele exista para chegarmos a um percentual aceitável de honestidade. Queremos que a ética absoluta seja exigida, pois assim vamos ter comportamentos aproximados de uma civilização moralmente perfeita. Assim, fica mais plausível a possibilidade da justiça.
Temos a obrigação de querer essa perfeição, de exigir, não só dos homens públicos, mas, sobretudo, de nós mesmos, embora saibamos que somos animais vacilantes, vulneráveis, dependentes do funcionamento psico-físico-químico do noso corpo e da nossa mente. Porque, se não insistirmos na busca das utopias, se não mantivermos a esperança em um ser humano mais evoluído, menos egoísta, com uma concepção mais humanista do que é ser humano, de que adiantará viver? Viveremos pelo prazer imediato? Pelo consumismo? Pelas paixões efêmeras?
Considerando, por fim, que Deus (a maior invenção dos humanos) não conseguiu cumprir a tarefa de consolidar esse espírito idealizado, que buscamos, resta-nos acreditar que o amor vai, pelo menos, adiar a construção desse ser humano desiludido, egoísta, individualizado, sem esperança e suicida, que já sinaliza a sua chegada. Não podemos, jamais, abrir mão das utopias.

Paulo Viana

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Patriarcado da violência.



Débora Diniz

A brutalidade não é constitutiva da natureza masculina, mas um
dispositivo de uma sociedade que reduz as mulheres a objetos de prazer
e consumo dos homens
Eliza Samudio está morta. Ela foi sequestrada, torturada e
assassinada. Seu corpo foi esquartejado para servir de alimento para
uma matilha de cães famintos. A polícia ainda procura vestígios de
sangue no sítio em que ela foi morta ou pistas do que restou do seu
corpo para fechar esse enredo macabro. As investigações policiais
indicam que os algozes de Eliza agiram a pedido de seu ex-namorado, o
goleiro do Flamengo, Bruno. Ele nega ter encomendado o crime, mas a
confissão veio de um adolescente que teria participado do sequestro de
Eliza. Desde então, de herói e "patrimônio do Flamengo", nas palavras
de seu ex-advogado, Bruno tornou-se um ser abjeto. Ele não é mais
aclamado por uma multidão de torcedores gritando em uníssono o seu
nome após uma partida de futebol. O urro agora é de "assassino".
O que motiva um homem a matar sua ex-namorada? O crime passional não é
um ato de amor, mas de ódio. Em algum momento do encontro afetivo
entre duas pessoas, o desejo de posse se converte em um impulso de
aniquilamento: só a morte é capaz de silenciar o incômodo pela
existência do outro. Não há como sair à procura de razoabilidade para
esse desejo de morte entre ex-casais, pois seu sentido não está apenas
nos indivíduos e em suas histórias passionais, mas em uma matriz
cultural que tolera a desigualdade entre homens e mulheres. Tentar
explicar o crime passional por particularidades dos conflitos é
simplesmente dar sentido a algo que se recusa à razão. Não foi o
aborto não realizado por Eliza, não foi o anúncio de que o filho de
Eliza era de Bruno, nem foi o vídeo distribuído no YouTube o que
provocou a ira de Bruno. O ódio é latente como um atributo dos homens
violentos em seus encontros afetivos e sexuais.
Como em outras histórias de crimes passionais, o final trágico de
Eliza estava anunciado como uma profecia autorrealizadora. Em um vídeo
disponível na internet, Eliza descreve os comportamentos violentos de
Bruno, anuncia seus temores, repete a frase que centenas de mulheres
em relacionamentos violentos já pronunciaram: "Eu não sei do que ele é
capaz". Elas temem seus companheiros, mas não conseguem escapar desse
enredo perverso de sedução. A pergunta óbvia é: por que elas se mantêm
nos relacionamentos se temem a violência? Por que, jovem e bonita,
Eliza não foi capaz de escapar de suas investidas amorosas? Por que
centenas de mulheres anônimas vítimas de violência, antes da Lei Maria
da Penha, procuravam as delegacias para retirar a queixa contra seus
companheiros? Que compaixão feminina é essa que toleraria viver sob a
ameaça de agressão e violência? Haveria mulheres que teriam prazer
nesse jogo violento?
Não se trata de compaixão nem de masoquismo das mulheres. A resposta é
muito mais complexa do que qualquer estudo de sociologia de gênero ou
de psicologia das práticas afetivas poderia demonstrar. Bruno e outros
homens violentos são indivíduos comuns, trabalhadores, esportistas,
pais de família, bons filhos e cidadãos cumpridores de seus deveres.
Esporadicamente, eles agridem suas mulheres. Como Eliza, outras
mulheres vítimas de violência lidam com essa complexidade de seus
companheiros: homens que ora são amantes, cuidadores e provedores, ora
são violentos e aterrorizantes. O difícil para todas elas é discernir
que a violência não é parte necessária da complexidade humana, e muito
menos dos pactos afetivos e sexuais. É possível haver relacionamentos
amorosos sem passionalidade e violência. É possível viver com homens
amantes, cuidadores e provedores, porém pacíficos. A violência não é
constitutiva da natureza masculina, mas sim um dispositivo cultural de
uma sociedade patriarcal que reduz os corpos das mulheres a objetos de
prazer e consumo dos homens.
A violência conjugal é muito mais comum do que se imagina. Não foi por
acaso que, quando interpelado sobre um caso de violência de outro
jogador de seu clube de futebol, Bruno rebateu: "Qual de vocês que é
casado não discutiu, que não saiu na mão com a mulher, né cara? Não
tem jeito. Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher". Há
pelo menos dois equívocos nessa compreensão estreita sobre a ordem
social. O primeiro é que nem todos os homens agridem suas
companheiras. Embora a violência de gênero seja um fenômeno universal,
não é uma prática de todos os homens. O segundo, e mais importante, é
que a vida privada não é um espaço sacralizado e distante das regras
de civilidade e justiça. O Estado tem o direito e o dever de atuar
para garantir a igualdade entre homens e mulheres, seja na casa ou na
rua. A Lei Maria da Penha é a resposta mais sistemática e eficiente
que o Estado brasileiro já deu para romper com essa complexidade da
violência de gênero.
Infelizmente, Eliza Samudio está morta. Morreu torturada e certamente
consciente de quem eram seus algozes. O sofrimento de Eliza nos
provoca espanto. A surpresa pelo absurdo dessa dor tem que ser capaz
de nos mover para a mudança de padrões sociais injustos. O modelo
patriarcal é uma das explicações para o fenômeno da violência contra a
mulher, pois a reduz a objeto de posse e prazer dos homens. Bruno não
é louco, apenas corporifica essa ordem social perversa.
Outra hipótese de compreensão do fenômeno é a persistência da
impunidade à violência de gênero. A impunidade facilita o surgimento
das redes de proteção aos agressores e enfraquece nossa sensibilidade
à dor das vítimas. A aplicação do castigo aos agressores não é
suficiente para modificar os padrões culturais de opressão, mas indica
que modelo de sociedade queremos para garantir a vida das mulheres.
DEBORA DINIZ É ANTROPÓLOGA E PROFESSORA DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Fonte: http://www.estadao. com.br/especiais /

terça-feira, 3 de agosto de 2010

FICHA-LIMPA

A OCDC apoia a lei da Ficha Limpa. Não apoia nenhum candidato, porque é apartidária.

BLOG DA DILMA 13 PRESIDENTE: Governador do Ceará chama Veja de "tendenciosa" e ...

BLOG DA DILMA 13 PRESIDENTE: Governador do Ceará chama Veja de "tendenciosa" e ...: "Redação, Portal IMPRENSA “No último domingo (01), durante o primeiro debate eleitoral pelo governo do Ceará, Cid Gomes (PSB-CE), atual gove..."

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Odeio os indiferentes.




11 de Fevereiro de 1917
Texto retirado do livro Convite à Leitura de Gramsci"
# Publicado por Paulo Kautscher em 22 julho 2010 às 13:23 em EDUCAÇÃO

Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel acredito que "viver significa tomar partido". Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.

A indiferença é o peso morto da história. É a bala de chumbo para o inovador, é a matéria inerte em que se afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos, é o fosso que circunda a velha cidade e a defende melhor do que as mais sólidas muralhas, melhor do que o peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os assaltantes, os dizima e desencoraja e às vezes, os leva a desistir de gesta heróica.

A indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas atua. É a fatalidade; e aquilo com que não se pode contar; é aquilo que confunde os programas, que destrói os planos mesmo os mais bem construídos; é a matéria bruta que se revolta contra a inteligência e a sufoca. O que acontece, o mal que se abate sobre todos, o possível bem que um ato heróico (de valor universal) pode gerar, não se fica a dever tanto à iniciativa dos poucos que atuam quanto à indiferença, ao absentismo dos outros que são muitos. O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça quanto porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa enrolar os nós que, depois, só a espada pode desfazer, deixa promulgar leis que depois só a revolta fará anular, deixa subir ao poder homens que, depois, só uma sublevação poderá derrubar.

A fatalidade, que parece dominar a história, não é mais do que a aparência ilusória desta indiferença, deste absentismo. Há fatos que amadurecem na sombra, porque poucas mãos, sem qualquer controle a vigiá-las, tecem a teia da vida coletiva, e a massa não sabe, porque não se preocupa com isso. Os destinos de uma época são manipulados de acordo com visões limitadas e com fins imediatos, de acordo com ambições e paixões pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos homens não se preocupa com isso.

Mas os fatos que amadureceram vêm à superfície; o tecido feito na sombra chega ao seu fim, e então parece ser a fatalidade a arrastar tudo e todos, parece que a história não é mais do que um gigantesco fenômeno natural, uma erupção, um terremoto, de que são todos vítimas, o que quis e o que não quis, quem sabia e quem não sabia, quem se mostrou ativo e quem foi indiferente. Estes então zangam-se, queriam eximir-se às conseqüências, quereriam que se visse que não deram o seu aval, que não são responsáveis.

Alguns choramingam piedosamente, outros blasfemam obscenamente, mas nenhum ou poucos põem esta questão: se eu tivesse também cumprido o meu dever, se tivesse procurado fazer valer a minha vontade, o meu parecer, teria sucedido o que sucedeu? Mas nenhum ou poucos atribuem à sua indiferença, ao seu cepticismo, ao fato de não ter dado o seu braço e a sua atividade àqueles grupos de cidadãos que, precisamente para evitarem esse mal combatiam (com o propósito) de procurar o tal bem (que) pretendiam.

A maior parte deles, porém, perante fatos consumados prefere falar de insucessos ideais, de programas definitivamente desmoronados e de outras brincadeiras semelhantes. Recomeçam assim a falta de qualquer responsabilidade. E não por não verem claramente as coisas, e, por vezes, não serem capazes de perspectivar excelentes soluções para os problemas mais urgentes, ou para aqueles que, embora requerendo uma ampla preparação e tempo, são todavia igualmente urgentes. Mas essas soluções são belissimamente infecundas; mas esse contributo para a vida coletiva não é animado por qualquer luz moral; é produto da curiosidade intelectual, não do pungente sentido de uma responsabilidade histórica que quer que todos sejam ativos na vida, que não admite agnosticismos e indiferenças de nenhum gênero.

Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamente, do que fizeram e sobretudo do que não fizeram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a construir. Nessa cidade, a cadeia social não pesará sobre um número reduzido, qualquer coisa que aconteça nela não será devido ao acaso, à fatalidade, mas sim à inteligência dos cidadãos. Ninguém estará à janela a olhar enquanto um pequeno grupo se sacrifica, se imola no sacrifício. E não haverá quem esteja à janela emboscado, e que pretenda usufruir do pouco bem que a atividade de um pequeno grupo tenta realizar e afogue a sua desilusão vituperando o sacrificado, porque não conseguiu o seu intento.

Vivo, sou militante. Por isso odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes.


Primeira Edição: La Città Futura, 11-2-1917

Origem da presente Transcrição: Texto retirado do livro Convite à Leitura de Gramsci"

Tradução: Pedro Celso Uchôa Cavalcanti.

Transcrição de: Alexandre Linares para o Marxists Internet Archive

HTML de: Fernando A. S. Araújo


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