Organização Cultural de Defesa da Cidadania - Entidade Apartidária

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Adeus, Grandes! Ou: o distrital - fábula da tradição





' Adeus gente de expressão. Adeus Deputado Romário, adeus Deputado Tiririca, adeus Deputado Arcelino, adeus Deputada Manuela, adeus Deputado Ibsen, adeus Deputado Jean! Vem aí o voto distrital, para acabar com a festa!


' Sim, o voto distrital não é para eleger gente de expressão.


' Era uma vez um planeta azul.


' Nesse planeta havia dois blocos de países. Um deles, que era liderado pelas federações US e UK, era muito apegado às suas tradições. O outro bloco era liderado pelo complexo franco-romano e tinha olhar mais aberto às concepções modernas que viessem a favorecer o desenvolvimento humano, como o princípio da dignidade, a rejeição à pena capital, o ensino público e o voto proporcional.


' O bloco US-UK era muito rico e isso fazia com que muitos imitadores em torno do planeta não enxergassem o que havia de atrasado em suas instituições. Mas vejamos o que ocorria nesse bloco em relação ao seu sistema eleitoral. O voto distrital, do qual esses países não abriam mão por nada, eliminava a possibilidade de se eleger algum deputado de expressão. Cada país só passava a conhecer nominalmente algum deputado quando ele se elegia Presidente da Câmara, ou, no caso do país que adotava o parlamentarismo, quando esse deputado era o primeiro-ministro. Como toda regra tem exceção, aconteceram dois casos de deputados que ganharam expressão nacional, um por um escândalo, outro por uma lamentável tragédia. No caso da federação UK, descobriu-se que um era casado com uma prostituta brasileira. Sim, nesse planeta havia prostitutas brasileiras. Na federação US, o caso trágico deu expressão nacional, e até internacional, a uma deputada, ou representante, que foi baleada durante um comício.


' Nessa federação US, os deputados, ou representantes, não se apresentavam como representantes, pois sabiam que eram imediatamente tomados como ilustres desconhecidos. Então eles se diziam congressistas, para serem confundidos com os senadores, estes, sim, gente de expressão. Na federação UK, o volume enorme de deputados sem expressão, eleitos pelos seus rincões, chamados distritos, garantiam a perenidade, com chances grandes de ocupar o governo, a uma agremiação chamada Partido Conservador, algo impensável no bloco franco-romano.


' Entre os países seguidores do bloco US-UK, o mais importante talvez fosse a federação germânica, que, certa vez, pelo seu voto distrital, levou ao governo uma aberração chamada nazismo. Procurou temperar o sistema depois com a introdução do voto em lista fechada, uma cota que cada partido tinha para amainar o voto distrital, indicando os nomes de expressão sob escolha das cúpulas. Era uma maneira de salvar as aparências para o antiquíssimo sistema do voto distrital, mas o eleitor não podia sufragar os nomes dos candidatos de expressão, e, sim, votava no partido para ficar sabendo depois quais eram os nomes indicados. Um pequeno país que estava se formando, a ANP, passou por um grande transtorno. Uma agremiação de fanáticos tanto exigiu que conseguiu fazer com que a ANP trocasse o sistema de voto proporcional pelo de voto distrital. O resultado foi que o grupo fanático ganhou o governo e, pouco tempo depois, via guerra civil, expulsou os rivais da região mais populosa, chamada Gaza, à qual passou a governar com mão de ferro.


' O país franco do bloco franco-romano não usou sempre o voto proporcional, apesar de a ideia ter nascido lá, como desdobramento de um sistema chamado Método Condorcet, dos tempos da Revolução, e ter sido aplicado pela primeira fez em 1899 num país vizinho chamado Bélgica. Por longo tempo o país franco esteve sob voto distrital, até que subiu ao trono um príncipe chamado Miterrand. Ele revogou o sistema distrital e então a eleição parlamentar seguinte, pelo voto proporcional, encheu o parlamento franco de gente de expressão, muitos intelectuais, artistas, atletas, empresários e locutores dos meios de comunicação. Foi-se o tempo de uma assembleia nacional composta de ilustres seres apagados.


' Havia lá também um grande país chamado Federação Pindorama, do bloco franco-romano. O sistema de voto era o proporcional, mas sempre se encontravam muitos políticos lutando pela adoção do voto distrital. Com seu sistema, a Federação Pindorama já havia eleito para a Câmara figuras muito expressivas naquela sociedade, como o escritor Jorge Amado, o diplomata Afonso Arinos Filho, o líder indígena Mário Juruna, o sociólogo Florestan Fernandes e o ministro Franco Montoro.


' Fim da fábula galáctica. Agora, voltando ao Planeta Terra, nosso país quer instituir o mesmo retorno, na manobra eufemisticamente chamada de 'Reforma Política', como se o Congresso já não fizesse reforma política quotidianamente. Então dizemos adeus à gente de expressão que se elegeu recentemente, mas que corre o risco de não obter vaga no novo antiquíssimo sistema. Na realidade, todos os que se elegeram pelo voto proporcional, foram eleitos porque têm expressão (alguns desconhecidos foram eleitos pelos votos dos expressivos, por culpa de uma fórmula que precisa ser corrigida). Então dizemos adeus a ex-governadores, como o Deputado Garotinho; a ex-presidentes da UNE, como o Deputado Aldo; a ex-locutores, como o Deputado Ibsen; a ex-dirigentes sindicais, como o Deputado Berzoini; a ex-atletas, como o Deputado Romário; a ex-humoristas de TV, como o Deputado Tiririca; a ex-presidentes de central sindical, como o Deputado Paulinho; a ex-reitores, como o Deputado Newton Lima; a ex-atores de TV, como o Deputado Stepan Nercessian; a ex-senadores, como o Deputado Sérgio Guerra; a ex-prefeitas de capital, como a Deputada Erundina.




'Cacildo Marques - Professor, escritor, matemático, administrador


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